segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Pronto, falei!

Não é questão de rebeldia nem de resistência ao sistema, mas a verdade é que não sou a favor de mudanças não-democráticas. Sim, estou falando sobre a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa que, infelizmente, vigorou em nosso país.
Confesso que adiei o máximo que pude manifestar minha opinião, inclusive consultei o guia da reforma ortográfica somente na semana passada, mas como eu curso Letras, as pessoas sempre me perguntam qual a minha posição diante disso eu não tenho como ficar alheia ao que está acontecendo com o meu objeto de trabalho, vulgo minha minha adorada língua materna.
Quando entrei na faculdade, tinha em mente que aprenderia todas as regras gramaticais e que seria uma ditadora das mesmas, o que para minha grande surpresa foi completamente abolido logo na minha primeira aula de linguística. Todas as minhas professoras são adeptas de uma postura sociolinguista, então aprendi que a língua não é um sistema autônomo, não pode ser prescrita e descobri que a ela é viva, se modifica e que está diretamente ligada à sociedade.
No começo foi um grande impacto, muito complicado me livrar do "encosto de Pasquale" e me desfazer de toda aquela bagagem normativa que me foi imposta durante toda minha formação escolar. Só quando me aprofundei lendo "A língua de Eulália" para preparar um seminário, fui convencida de que a gramática normativa não é uma lei passível de ser seguida na oralidade, e que não é eficaz em todas as variações existentes na língua, muitas vezes, sendo incoerente e contrariando as próprias regras que impõe.
Talvez fossem necessários exemplos do que estou falando para que pessoas não-interadas no assunto pudessem ter uma noção mais clara, mas só estou me utilizando desses conceitos para estabeçecer a seguinte relação:

Sabemos que o objetivo da reforma ortográfica é a unificação da língua portuguesa, o que para mim é de uma incoerência quase cômica. Basta irmos a dois bairros de uma mesma cidade para percebermos as variações de entonação, rítmo e pronúncia da língua. De estado para estado a diferença se torna gritante. O que dizer do "tu" que só é usado em algumas regiões do norte e do sul do país? Deverá também ser abolido para a unificação da língua? Ou deverá ser adotado por todos nós, em substituição do "você" já que a segunda pessoa do singular é mesmo o "tu"? Difícil, não?
A dificuldade é explícita: se a variação de dialetos é claramente percebida entre dois BAIRROS de uma mesma cidade, como poderá ser eliminada entre PAÍSES com um oceano inteiro de diferenças como Brasil e Portugal? Isso pra nem falar na África...

Quem foi que disse que o português de Portugal é mais puro e mais correto? Ninguém é dono da língua, não podemos regulá-la sob tratado! As variações africanas, brasileiras e portuguesas são dígnas e válidas e possuem a mesma liberdade para crescer e desenvolver-se dentro de cada cultura e das possibilidades de cada país. Tem a ver com a política? Vamos ser mais respeitados com uma linguagem uniforme? Mas a língua inglesa não é a grande referência de idioma respeitado universalmente? Por que então nela mesmo podemos encontrar diferenças? Não existe inglês britânico? E o espanhol? Não está sendo tão respeitado e estudado no mundo todo? Mesmo assim temos tantos dialetos oriundos dentro da língua espanhola (Gallego, Basco, Madrileño, Andalúz, e Catalãn) que alguns destes, são extremamente diferentes uns dos outros, a ponto de os falantes não se entenderem entre si!
E por que no Brasil tinha que ser diferente? Isso só faz confirmar a piada universal de que português é burro e que brasileiro é mesquinho...
Eu acho de extrema ignorância que os gramáticos tradicionais pensem ser possível eliminar as diferenças dialetais.
Deixo claro que sou a favor de reformas e de mudanças, principalmente no âmbito gramatical, mas essas mudanças que ocorreram na nossa língua materna considero totalmente sem noção, assim como o nosso excelentíssimo presidente da república semi-analfabeto. Por que então não fazem reformas considerando as variantes linguísticas que são usadas na oralidade como a redução das proparoxítonas em paroxítonas, o ieísmo, o rotacismo e outras variações que já são tão naturais e espontâneas do falante?

Talvez você, leitor, já esteja indignado em ter que se enquadrar ao novo padrão, imagine eu que terei de ensiná-lo a jovens e crianças que já se consideram alfabetizados no padrão antigo.
Gostaria muito que alguém me explicasse o que eu vou dizer, caso um aluno me pergunte por que na palavra guitarra não se pronuncia a letra "u" e na palavra linguiça ele deve pronunciar, mesmo sem o trema e sem nenhuma acentuação que distingua a diferença? Qual é o seguimento lógico? Quais os parâmetros?

Sugiro que mudem o nome da gramática do português para "PORQUE SIM", pois essa será a única resposta que os professores poderão dar aos possíveis questionamentos.


P.S.: Não usei o trema porque, querendo ou não, terei que me adaptar.


"Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo. Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida. Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida."

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Clarice Lispector.

11 comentários:

Mariana disse...

Para mim a reforma é só um reflexo do Lulês presente em nosso pais.

Não gostei, mas assim como vc e todo mundo que gostou ou deixou de gostar, terei que me adaptar.

:/ hunf!

Biel, o Bardo disse...

Ai, como eu posso dizer? É absolutamente... desnecessário tal reforma, ou melhor - imposição. Agora teremos que nos adaptar porque cismaram de "unificar a língua". Pelo amor de deus! Como podem ter tamanha pretensão? Forçar nações a adotarem novas regras por puro egoísmo. Eu, teimoso que sou, terei uma certa resistência.
Podem comprar um guia da Reforma Ortográfica para mim e me presentear no meu aniversário.
Onde está a Emília nessas horas para interceder por nós?

Assim que sou disse...

Se para você, que é letrada e capaz de texto tão intenso - gramatical e emocionalmente falando -, é de difícil compreensão e aceitação, imagine para a maioria absoluta da população - inclusive os com formação e absolutamente deformados na expressão verbal. Mas, tal qual você, escrever é o meu ofício. Boa parte das regras desregradas terei que absorver. Outras, indiscutivelmente, colocarei na generosa bolsa da liberdade poética e a elas darei o meu formato. Espero que convença.

bjs e saudades de te ler. Veronica

MR. MARMELADA disse...

Reproduzindo algo que li no blog da Fal, quando aconteceu aquela palhaçada do plebiscito do desarmamento, o "guvêrno" fez a gente sair de casa num domingo pra dizer sim ou não a revólveres e pistolas como se todo mundo tivesse vocação pra Clint Eastwood. Agora, a língua, a ortografia que a gente usa todo dia, todo o tempo, todo vestibular, ENEM, lista de compras e plaquinha de ocupado de W.C., NINGUÉM SE IMPORTOU em perguntar ao povo do país da pipoca-doce o que ele achava disso.

Eu acho um sacrilégio, um harãm escrever ideia e voo sem acento. Arrrgh! Idéia é idéia, vôo é vôo. Isso é conspiração da Fiat com seu Fiat "Idea". Hunf!

Acho bom que após o Bolsa Família eles criem um "Bolsa Trema" e incluam nos programas alisa-pobre do guvêrno. Porque esse foi um verdadeiro chega-junto adnominal no sujeito prejudicado.

Beeijos!

MR. MARMELADA disse...

Em tempo:

Eu? Eu mesmo? 99% de neurônios mortos (efeito Pinho Sol) reaprender uma coisa que eu nem tinha aprendido direito?

Rá! Isso não te pertence maaais!

Agora dá licença que eu vou na Pharmácia, ver como anda o commércio.

;)

Nina disse...

Parece que estou vendo a minha irmã discursar, hehehe. Ela faz mestrado em linguística e também está profundamente revoltada com a tal da reforma.
Eu, particularmente, não me preocupo muito com as crianças porque o início do aprendizado é muito na base do "porque sim".
Me preocupo é comigo...não se se vou conseguir aprender as novas regras...acho que não.

Beijo

Anônimo disse...

Oi minha linda...estou mudando de casa virtual..hehe meu endereço agora eh

www.vidaintimadeclarice.blogspot.com

to em reforma, mas se kiser pode me visitar, tomar um cafezinho e tals..rs (qq coisa responde para la, por favor)

Bjkas e nos vemos no orkut ;)

Dani

Ana Maria disse...

Muito bom o seu post! Nos faz pensar sobre a situação do país...
Estamos andando pra trás :(

Bom, to passando aqui pra avisar que tem selo pra você no blog Vaca Foi Pro Brejo, espero que goste!
Beijinhos!

Confira:http://acowfoiprobrejo.blogspot.com/

Biel, o Bardo disse...

sim, estou colaborando com sua coleção filatelista e deixei um selinho para vc no blog.

outro.

Tatiani disse...

eu não curti muito esta reforma. Acho uma trabalheira horrível, que eu não sei se irei me acostumar.

Mas enfim... Junte-se a eles.

=*

Anônimo disse...

Acho que a reforma é para unificar o Português padrão, o não padrão seguirá diversificado e não acredito que ninguém tenha a ilusão de um dia fazer no PNP qualquer modificação arbitrária.

Suas observações são muito pertinentes.

Muito bacana seu blog.

Abs,

★Таинан★