segunda-feira, 2 de junho de 2008

Intensamente indiferente.

(...)
"Mas a minha mais arcaica e demoníaca das sedes me havia levado subterraneamente a desmoronar todas as construções. A sede pecaminosa me guiava - e agora eu sei que sentir o gosto desse quase nada é a alegria secreta dos deuses.
(...)
Eu estava limpa de minha própria intoxicação de sentimentos, limpa a ponto de entrar na vida divina que era uma vida primária inteiramente sem graciosidade, vida tão primária como se fosse um maná caindo do céu e que não tem gosto de nada: maná é como uma chuva e não tem gosto. Sentir esse gosto do nada estava sendo a minha danação e o meu alegre terror."
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Clarice Lispector in "A paixão segundo GH".
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Realmente, Clarice. É o gosto do nada que me alegra e me aterroriza simultâneamente.
Já há tempos que tenho notado os meus sentidos sonsos e afetados, numa apostasia total de reações...
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"No sense", "no sense".
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Por que meu Deus? Deus? É... Deus! A Ele também tenho dedicado uma bela porção da minha apostasia, da minha cauterização.
Me sinto anestesiada em relação ao mundo, em relação às pessoas, mas, de repente, tenho golpes súbitos de sentimentos que se manifestam esporádicamente de uma forma explosiva e ameaçadora. Depois isso também passa e tudo volta a ser assustadoramente sem importância.
Humor comprado, idéias vendidas, o que será que eu realmente sinto no fundo do meu âmago? Porque eu sei que eu sinto mas não consigo saber o quê.
Mas como será que meus sentimentos se manifestariam realmente se eles tivessem liberdade e aptidão para tal?
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Ah, tenho medo de mim e do meu silêncio...
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Em alguns momentos nada no mundo faz sentido para mim. E não acho graça de nada, não gosto de ninguém. Imagino até, que nesses momentos, se eu perdesse alguém que amo, alguém da minha família, agiria de forma indiferente. Indiferença? Eu, que nunca fui indiferente a nada e nem a ninguém, por quê agora sinto como se a vida ou o fim da mesma tivessem o mesmo valor? Ou valor nenhum?
E em partes é uma alegria não-sentir. Sim, eu não tenho sofrimentos e nem pesares em relação a nada e nem a ninguém. Mas é uma vida sonsa de sentidos e, logo eu, que gosto é da intensidade das coisas? Não. Não é pra mim...
Quando chega a hora de sentir eu sinto de forma que dói, que fere, que choca. Sinto um amor doente e carregado de ódio pelo mundo e pelas pessoas. Eu amo tanto que chego a odiar com a mesma força de expressão... Sou capaz de dar minha vida por amor de algo/alguém, e depois de alguns instantes poderia fazer o contrário sem culpa e sem remorsos, agindo com a mesma anterior inescrupulosa indiferença... E desculpe tantas antíteses e tantas perguntas, é que realmente me parece a melhor forma de expressar tanta contradição.
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Será que eu não sei lidar com os sentimentos mais simples e primários?
Será que eu não sei aceitar as pessoas com suas individualidades?
Será que eu não sei ponderar?
Será que eu não sei me expressar?
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Eu não sei se é pior esse não-sentir que me impede até de ter prazer no gosto das coisas, que tira até mesmo o sabor dos alimentos, que faz com que tudo pareça insípido, inodoro e incolor, ou se é pior ser atentada por essa "arcaica sede demoníaca" que me leva a querer tudo e querer intensamente, sem moderação...
E não quero preocupar ninguém, já que também eu não me preocupo, porque sei que daqui a pouco, nada disso terá a mínima importância pra mim.
Como diria Cássia Eller, Socorro:
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"Socorro, não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar, nem pra rir
Socorro, alguma alma, mesmo que penada
Me entregue suas penas
Já não sinto amor, nem dor, já não sinto nada
Socorro, alguém me dê um coração
Que esse já não bate, nem apanha
Por favor, uma emoção pequena
Qualquer coisa
Qualquer coisa que se sinta
Em tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva"

11 comentários:

CiNDeReLa CoMpUlSiVa disse...

esse é o famoso bichinho da Indecisão...
é o que nos faz estar no céu e de repente ir ao inferno em segundos...
ah! isso não é "no sense" pelo contrario, é senso demais, é duplo "sentido", é capacidade de gostar e odiar algo ao mesmo tempo...
E não se julgue por isso, pois isso é bom!
é bom não ter só sorrisos, amores e preocupações com "algo", senão "ele" se acostuma e te magoa...

Aff. acho que isso que escrevi foi meio "no sense"... mas tá valendo...

ah, obrigada pelo comentário lá no meu blog e saiba que vc tambem é bem vinda!

ps.Enquanto vc paquerava "meu" template, eu paquerava seu player...
rsrsrs...

BJUXXX no seu S2

Cris Medeiros disse...

Impressionanteeeeee!! Esse post poderia ter sido escrito por mim, tamanha é a riqueza de afinidades com um modo blasé de encarar o mundo que me tomou nos últimos anos! As vezes me preocupo por não me preocupar, por não sentir, no momento seguinte realmente nada tem importância, porque eu não estou me importando. Talvez a solução fosse se apaixonar intensamente por uma idéia ou pessoa, mas nem isso me sinto capaz, somente vivo tranquila, sem conflitos.... Estranho isso!

Janete Andrade disse...

é exatamente assim q me sinto... anestesiada... amor, acho q esse sentimento não me pertence mais, nada me comove, mas de repente sou tomada por uma dor, uma angústia, uma tristeza sem explicação, sem explicação porém intensa, mto intensa, tão intensa q é capaz de tomar as rédeas da minha vida.
o nó q desatei na minha vida foi exatamente o nó q me prendia a sentimentos, e me sinto mais leve, mas eu... não sei, talvez pq não fosse um sentimento bom, mas vez e outra esse mesmo nó tenta me amarrar de novo.

qto ao comentário de 'dama de cinzas', a solução com certeza é se apaixonar por uma idéia, uma pessoa... uma idéia: algo q vc goste, escrever por exemplo. uma pessoa: VOCÊ, apaixone-se por vc mesma. é isso q tô fazendo com minha vida...


beijão =*

Mariana disse...

ontem mesmo eu conversava com uma amiga bem intima, a qual amizade ja dura mais de 20 anos...
e eu disse pra ela.. "me tornei uma insensivel.."

e ela disse: é a primeira insensivel que eu conheço que chora desse jeito...


e entoa eu vi.. dualismo é isso..
será doente?? talvez... mas é isso..

bjsss!!!

Anônimo disse...

Teve uma época da minha vida que senti isso, estava em abstinência de sentimentos. Hoje essa fase passou, não sei bem se era uma fase ou não, mas de certa forma me fez amadurecer. Atualmente estou mais no “sentir tudo”, e isso às vezes me preocupa, mas é melhor deixar sentir. Talvez isso passe pra ti ou não, tudo depende. Mas uma coisa é certa, sinta como tu achas que deve sentir. Sentido ou não.

Beijos!

Яoьεяτα disse...

Vc tem medo de vc e do seu silêncio???? Não, não. Eu que tenho medo de você. Pensa que não li sua aventura com o peito do frango??? rs

Ciça. disse...

Acho estranho quando começo a ficar indiferente às pessoas, situações...
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Tem presente procê lá.


:*

@eddiepomini disse...

Estou sem palavras diante de tão bonito e enigmatico texto.
Eu te ligo pra conversarmos, se quiser é claro.
Eu também preciso.
Mas vc sabe como sou, fico ensaiando, ensaiando...
Se eu não te ligar, me ligue vc.

Beijo.

Bill Falcão disse...

Bom, segunda-feira é um dia em que o ideal é a gente realmente não sentir nada, Nalaura!! O velho gatinho Garfield estava certo: é preciso odiar as segundas! E o ódio não é grande coisa. Pelo menos, pros outros.
Mas, enquanto lia teu texto desta segunda, estranhamente me lembrei de "O Estrangeiro", um belo livro de Albert Camus. Tem a ver com esse sentir-não-sentir. Recomendo. Clarice também gostava dele, do Camus. Se você não encontrar o livro, tem o filme, da década de 60, com Marcello Mastroianni. Acho que pode pintar um clima aí entre você e o existencialista Albert Camus.
Bjooooooooosssssssssss!!!

Nathália E. disse...

Olha, eu sei exatamente o que é esse sentimento que você expressou tão bem nessas linhas.

Eu sou assim, uma antítese. Sinto de forma intensa. Tanto o amor quanto o ódio. Por vezes, não sinto nada, e isso me incomoda de vez em quando. Porém certas vezes sou indiferente. Indiferente com tudo e todos.

Dizem que isso é sinal de inteligência. Essa inquietação, essa dificuldade e intensidade sentimental. Mas não acho isso não. Sei lá, só acho que nasci com alguma coisa a mais ou a menos no cérebro. Ou no coração... Ainda tenho que analizar.

Beijo!

Ps.: Eu sou apaixonada por esse teu estilo de texto.

disse...

Nossa,muito lindo teu blog..amei!

Beijos.