segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Por que tanto amor?


"Clarice


veio de um mistério, partiu para outro.


Ficamos sem saber a essência do mistério.


Ou o mistério não era essencial.


Essencial era Clarice viajando nele.




Era Clarice bulindo no fundo mais fundo, onde a palavra parece encontrar sua razão de ser, e retratar o homem. O que Clarice disse, o que Clarice viveu para nós em forma de história, em forma de sonho de história, em forma de sonho de sonho de história (no meio havia uma barata ou um anjo?) não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice, que usamos de empréstimo, ela é dona de tudo.
Clarice não foi um lugar comum. Carteira de identidade, retrato. De Chirico a pintou? Pois sim.
O mais puro retrato de Clarice só se pode encontrá-lo atrás da nuvem que o avião cortou, não se percebe mais. De Clarice guardamos gestos. Gestos, tentativas de Clarice sair de Clarice para ser igual a nós todos em cortesia, cuidados materiais.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo. Dentro dela o que havia de salões, de escadarias, de tetos fosforescente e longas estepes e zimbórios e pontes do Recife em brumas envoltas formava um país, o país onde Clarice vivia, só e ardente, construindo fábulas.
Não podíamos reter Clarice em nosso chão salpicado de compromissos.
Os papéis, os cumprimentos falavam agora em edições, possíveis coquetéis à beira do abismo. Levitando acima do abismo Clarice riscavaum sulco rubro e cinza no ar e fascinava-nos.
Fascinava-nos apenas. Deixamos para compreendê-la mais tarde.

Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice."

Carlos Drummond de Andrade
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É claro que nunca vou saber me expressar tão lindamente quanto fez Drummond nesta homenagem à Clarice. Eu só sei que hoje eu acordei com saudades dela...

Como pode alguém sentir saudades de quem nunca esteve por perto? E... Será que não?

Outro dia fui surpreendida por uma pergunta de um amigo que dizia: "Se você pudesse ressucitar alguém, quem seria?", acho que minha resposta foi mais surpreendente do que a pergunta em si, porque sem titubear respondi: "Clarice Lispector". "Mas... E seu avô?"- foi o que me disse por saber o quanto a falta dele é significante para mim- mas mesmo que a resposta coerente fosse outra, eu sabia, no fundo do meu âmago, que se me dessem oportunidade para tal feito, seria Clarice quem eu traria de volta à vida. O motivo talvez seja explicado pelo fato de que meu avô viveu comigo, por mais que me faça falta eu tive a oportunidade de estar com ele, aprendi o que ele tinha a me ensinar e o que restou foi só saudade, saudade boa, mas se tem alguma coisa que acho injusta nesse mundo, é não ter podido estar frente-á-frente com Clarice. Suas palavras ficaram, o que faz dela imortal, mas não me conformo de não ter sido contemporânea a ela.

Sinceramente eu não sei se vou viver para conseguir entender qual é minha ligação com essa mulher. De onde vêm tanta sintonia? O que nela está tão intrínsecamente ligado a mim a ponto que suas palavras possam sondar e perscrutar minha alma? Como a imagem dela pode me causar arrepios e uma simples palavra escrita por ela pode me fazer estremecer de alegria ou me debulhar em lágrimas?
É certo que Clarice foi, é, e sempre será um mistério para todos, mas sobretudo é para mim que nasci dez anos após a sua morte e sinto como se ela vivesse perto de mim, como se suas palavras tivessem sido escritas intencionalmente para cada momento da minha vida. Será muita pretensão da minha parte? Acho que não! É, absolutamente.

Conheço pessoas que não gostam do estilo dela, pra mim soa absurdo, mas como ela mesma disse, seu contato com as pessoas é assim: "ou toca, ou não toca". Mas como é que alguém pode não ser tocado, meu Deus?

É realmente um jogo de extremos, pois os que são tocados se tornam tão fanáticos que chegam a beirar a idolatria. Cazuza foi um dos maiores admiradores de Clarice, leu Água Viva cento e onze vezes. E eu vejo pessoas fascinadas, espalhando a semente clariceana por toda parte, como a Dani, com seu lindo blog, e tantos outros por aí. Para nós, apaixonados, é muito difícil imaginar a resposta da pergunta que me ocupa a mente:

Como não amar Clarice?

5 comentários:

Cris Medeiros disse...

Como coloquei no meu último post, recebi o texto de Clarice que caiu em minhas mãos "por acaso", como um recado divino... Bjs

Narradora disse...

A mim toca...
Bjs

Gaby Mota disse...

Ai honey!!!
Desculpa ai, mas nada a declarar por enquanto sobre Clarice...
Adoro-te!!!!

.a nega do neguinho. disse...

Amor platônico apenas isso!

;)

Alessandra Castro disse...

Realmente, ela é o amor. Misterioso e profundo, mas amor. ;)