segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Vida nova.

Sabe, é uma tremenda filha da putagem. Mudança é uma coisa que não vem de Deus. Ou, caetaneando, não. Uma vez, eu ouvi um pastor dizendo que toda mudança (pra melhor) é gerada pelo (ou gera) desconforto, e quer saber? Ele tava muito é certo. Mas eu cansei, inclusive já falei pro meu pai que não volto mais lá e tudo (na igreja) porque aquilo me cansa absurdamente, é a coisa mais previsível do mundo e eu detesto coisas previsíveis. Só que Deus é bom, e eu gosto dele apesar de todo o medo e da vergonha que eu ainda tenho.
Eu fiquei parada olhando pros cômodos vazios daquela casa nova e toda bonitinha e então pensei que sou mesmo uma frígida insensível. Eu nem olhei pra trás quando saí da casa velha, não tive a mínima consideração e só me dei conta de que nunca mais poria os pés naquele lugar depois que já estava bem longe de lá. Mentira, eu me lembrei disso enquanto descia as escadas pela última vez mas eu não quis olhar pra trás e nem demonstrar nenhum apreço por aquele lugar e nem por aquelas pessoas. Elas também não gostam de mim.
Enquanto eu desencaixotava as minhas coisas fui vendo o quanto mudei. Eu era uma tremenda idiota há exatamente 24 horas, meu Deus!
Eu me deitei em um colchão na sala - porque o sofá ainda não chegou- e olhei através do vidro do jardim de inverno pra aquele céu que era o mais azul que eu já tinha visto na vida. Eu detesto azul, sobretudo o azul celeste mas no céu ele fica lindo, só no céu. Pensava em milhões de coisas e a única coisa que eu sentia era tédio. Eu queria mesmo que tudo aquilo fosse completamente verdade, a coisa da mudança, eu queria que fosse completa. Pela primeira vez na vida eu queria abrir mão de tudo. Do meu passado e das pessoas que eram importantes pra mim na época em que eu era uma tremenda idiota. Não, eu não queria falar com ninguém.
Impressionante como a CTBC anda eficiente. Em menos de meia hora após ser feito o pedido de transferência da linha telefônica e da internet havia um técnico na sala da minha casa instalando o telefone. Eu pedi baixinho a Deus que ele não pudesse instalar a internet ainda. E Ele me ouviu.
Eu queria me desocupar daquilo, eu pensei tanto em jogar todos aqueles escritos no lixo, junto com o meu celular, o ship e tudo, porque já que vou ganhar um novo queria também mudar de número. Mudar é sempre bom... E eu não vou passar meu número pra ninguém. Pra ninguém!
Verde é uma cor tão bonita. Eu quis o sofá verde, verde oliva. Contrastou perfeitamente com as paredes pêssego e com o barrado cor-de-laranja que tem antes do teto. Achei muito feliz.
A mesa da cozinha eu pedi verde-limão. Eu queria coisas felizes, apesar de não ser esse o sentimento total que me ocupava. Olhar pra cozinha e sentir felicidade forçada pelas cores vivas e fluorescentes é sempre bom.
Aquele piso branco me incomodava, dá pra ver qualquer sujeira, por mais mínima que seja. Tanta transparência me era desconfortável naquela hora. E todos brigavam comigo porque enquanto estava tudo uma bagunça eu me preocupava em ajustar os quadros na parede. Acho que os detalhes são importantes, oras.
Mamãe mandou eu comprar um armário pra colocar minhas agendas e papéis avulsos, disse que eu era uma nostálgica-apegada e que devia jogar aquilo fora porque tanto peso estava desalinhando as gavetas do guarda-roupas. Eu comprei o armário.
Ninguém me falou nada, mas eu sentia que estavam todos pensando que eu queria fugir dali. Eu nunca gostei de bagunça, muito menos de arrumá-la, mas estava estranhamente confortável no meio do desconforto daquela mudança. "Preciso mudar", pensava.

"Se esse dia passar logo, amanhã vai ser diferente, porque eu já não sou mais a mesma, nem moro mais no mesmo endereço!".

Eu já decorei o endereço novo. Estranhamente eu decorei depois de lê-lo pela primeira vez. Achava que só tinha facilidade para decorar músicas depois de ouví-las pela primeira vez, mas não, eu decorei o endereço, só não sabia o CEP, mas tanto faz, o importante era a minha sede pela mudança.

"-Vamos brincar de vida? Você cuida da sua e eu cuido da minha! O que fode é a falta de confiança, sabe? Simplesmente me canso, me canso de tudo, e você já sabia desde o início que eu iria ficar entediada, não sabia? Pois é, a hora é agora, o dia é hoje! Fiquei. E sabe por que? Porque simplesmente eu posso mudar, posso conhecer outras pessoas, posso acreditar nelas também, e quando eu me cansar delas, eu mudo outra vez, conheço outras e outras. Porque no final, baby, ninguém é de ninguém e eu não sou e nunca serei absurdamente previsível: pasme!"

No dia anterior, ao chegar óbviamente atrasada na faculdade, fazia, apressada, uma leitura dinâmica da correção do artigo e conversava com uma amiga sobre a orientação do mesmo, enquanto ouvia, perifericamente, a professora dizendo:

"A gente só sabe de uma pessoa até onde ela quer nos mostrar, e só conhecemos alguém completamente depois que esse alguém morre. Todos podem nos surpreeender o tempo todo até o momento da morte. Isso é o que difere uma pessoa de um personagem, porque quando acabamos de ler um livro, conhecemos totalmente a personagem, mas na vida, não conhecemos ninguém completamente. Esse é um grande atrativo da literatura, pois nos dá a ilusão de podermos conhecer alguém por inteiro."

"Cara, eu amo literatura! - pensei sorrindo antes de sair da sala- e sabe? Que me perdoem Joana, Virgínia, Ana, Lóri, GH, Martin, Ângela e afins, eu gosto mesmo é da Macabéa."

Enfim, hoje quando acordei, percebi que estava em casa e que tinha uma família que era incrívelmente a mesma, apesar das mudanças. E apesar de tudo mudar, eles continuavam os mesmos, com os mesmos puta-defeitos de sempre. E que me amavam, apesar dos meus puta-defeitos. E que eu os amo, apesar de terem os puta-defeitos também e de poderem me decepcionar a qualquer hora. E o amor é esse. Finalmente, eu estou feliz.


P.S - Acho que esse é o texto mais sub(jetivo)versivo que eu devo ter escrito na vida.



Espaço reservado para as suas (possíveis) interpretações.


7 comentários:

@eddiepomini disse...

Como diria David Bowie:
"Eu ainda não sei pelo que eu estava esperando
E meu tempo estava correndo selvagem
Um milhão de ruas sem perspectiva
Toda vez que eu pensei eu o fiz
E o sabor parecia não ser tão doce
Assim eu fiquei cara a cara comigo mesmo
Mas eu nunca peguei em um olhar rápido
como os outros devem ver o falsificador
Eu sou muito muito rápido para ter esse teste"

Pra melhor ou pra pior mudanças são necessárias, e nos faz crescer.
A Madonna faz isso toda semana!
Rararararararara

Beijo.

Mariana disse...

mudar é bom...
E sempre causa desconforto- sempre!!!!

tem dia que acordams jurando que somos outra pessoa de tao decisiva foi sua escolha e isso prevê uma mudança incrivel...

mas dai na hr de dormir, parece que foi tudo muito igual - menos a sensação de ter incrivelmente mudado!

beijos

Biel, o Bardo disse...

sim... saiamos de nossas cascas cultivadas por tanto tempo!!
eh estranho, eh doloroso, eh dificil, mas eh!
o importante eh aceitar isso e seguir a vida... linda! como paola bracho faria...
nao perca a chance de jogar alguns papeis fora... escritos ou impressos... alivia bastante a carga pessoal!!

outro.

dayla disse...

Meu Deus, a frase vamos brincar de vida foi a gabriela quem te falou?
postamos a mesma coisa hahahahhah
o larinha se vc quer mudança radical pede emprestada a piruca da louca, ñ tem como mudar mais do que aquilo, na verdade aconselho vc a continuar assim...

te amoo lindona

Junkie Careta disse...

Sua subjetividade atingiu seu ponto máximo nesse texto. É quase impenetrável. Você está cada dia mais Clariceana, capaz de transformar uma mudança em um texto subjetivo.. E isso, continua sendo sua grande arte.

Só deixar aqui 3 rápidos comentários sobre os textos anteriores que li.

1 : Eu ressucitaria tanta gente que não consegui pensar em um só. O número mínimo de ressucitados que consegui foi 5 : mamãe(a 1a, sem dúvida), depois variaria entre Caio Fernando Abreu,Clarice, Oscar Wilde e Rimbaud.

2: Sou hetero convicto.

3:Vou terminar a mudança hoje a noite , de madrugada( é mais calmo)Ainda nem sei o endereço e nem o CEP)

Sobre esse assunto, quando puder, passe no Spleen rosa chumbo. Falo sobre essa mudança.

Grande abraço

Robson Schneider disse...

Uau como vc escreve bem! sabe eu não tenho mais tanto medo de escrever, ja tive...e pelo que vejo vc também não.Aprendi uma coisa doida sobre o amor, é que vc pode amar sem gostar...isso inclui até familiares e dos mais "sagrados"...isso é mal?! não, libertador! pois dai podemos amar sem culpa de não gostar.
Antes que esqueça te invejo...sou cantor e tenho uma puta dificuldade de aprender letras.
Odeio vc! hehehehehehe
Bj e td de bom! de fato vou passar mais vezes por aqui, me fez muito bem.

Robson Schneider disse...

Ei Ana
vc ja leu alguma coisa de Brennan Manning? sabe, acho que quando tivessse um tempinho - entre uma leitura e outra - gostaria de te sugerir o "Evangelho maltrapilho".
No meu processo de desligamento da igreja "instituição", foi fundamental pra não jogar a agua da bacia fora com Deus dentro.
“...Robert Capon coloca da seguinte forma: A Reforma foi uma ocasião em que os homens ficaram cegos, embriagados por descobrir, no porão empoeirado do medievalismo tardio, uma adega repleta de graça envelhecida mil e quinhentos anos, com teor alcoólico 100% . garrafa após garrafa de pura Escritura destilada, um gole da qual bastava para convencer qualquer um de que Deus nos salva sem precisar de ajuda. A palavra do evangelho - depois de todos aqueles séculos de tentar elevar-se ao céu preocupando-se com a perfeição de seus cadarços - tornou-se repentinamente um anúncio direto de que os salvos já estavam em casa mesmo antes de começarem (...) A graça deve ser bebida pura: sem água, sem gelo, e seguramente sem água tônica; não se permite que nem bondade, nem maldade, nem as flores que desabrocham na primavera da superespiritualidade entrem no preparado...”

Brennan Manning. O Evangelho maltrapilho pág. 18, Mundo Cristão 2000
Bj