quarta-feira, 19 de março de 2008

Sim, Machadiana também!

Por motivos obrigatórios, mas nem por isso sem satisfação, voltei a ler Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas é leitura obrigatória para esse bimestre e resolvi discursar um pouco sobre minhas influências literárias. (risos)
Me lembro muito bem que meu primeiro contato com a literatura machadiana não foi lá dos melhores. Estava no 2º colegial e me encontrava naquela fase de ler só os "romances românticos" (se é que alguém passou por essa fase, parece que essa, entre tantas, foi uma particularidade minha) pertencentes á segunda geração romântica, ou ultra-romantismo, bem "byronianos" (joga no google) nos quais todas as mocinhas são pálidas, virgens e intocáveis, anjos de cera reclinados sobre lindos leitos floridos. Os mocinhos são heróis, valentes, leais e honestos. Sempre possuem um velho e bom cavalo (não necessariamente branco) e no final, todos morrem; ou por tuberculose ou por suicídio, ou por algum outro motivo trágico e melancólico que os liberte de suas vidas de amores impossíveis na esperança que os mesmos se consumem na eternidade. Quanta subjetividade meu Deus! Bem, dê um desconto, eu só tinha 16 anos e ainda acreditava que o primeiro amor era eterno. Ainda hoje acho que é, mas apenas nas idéias. Como boa discípula de Platão que sou sempre tive tenho fortes tendências a idealizar coisas e situações (platônica demais), delirava naquela onda de amar "até as cinzas das horas". Confesso que mudei nem tanto, mas continuo achando bonito morrer pela tísica, e pasmem, quero!
Meu universo desabou numa bela manhã de quarta-feira (quarta era dia de ir á biblioteca), quando a professora de português, que na época eu tinha como mentora intelectual (ainda hoje ela é minha professora, só que na faculdade, tenho grande admiração e gratidão por ela, pois se faço Letras e gosto de literatura lhe devo 50% do incentivo, apesar de ela ser lingüista), virou para mim e disse com veemência: "Ana Laura, você já leu todos os romances água-com-açúcar existentes no acervo da escola, e assim como na literatura o Romantismo evolui para o Realismo, você também tem que evoluir, leia Machado de Assis, você vai gostar, tenho certeza." (ela não estava fazendo nada, falou né) Bem, eu confiava na opinião dela. Não estava contente com a proposta mas como não tinha recursos previstos e nenhuma outra idéia melhor, aceitei. Meu desgosto era proviniente da minha terrível mania de rotular. Machado de Assis era, no meu santo conceito, um cara chato que escreveu livros obrigatórios para vestibulares, outra coisa que me fazia ter aversão, pois odeio que me imponham qualquer coisa de qualquer ordem e tudo que eu sabia sobre ele, é que foi um mulato que aprendeu a ler assistindo aulas pela janela de um colégio (pausa; me recordo que uma vez uma professora, não lembro qual, disse isso e eu nunca mais esqueci mas nunca procurei saber se era verdade, ah mas deve ser, pra quê também ela inventaria uma coisa dessas?) e fundou a A.B.L, na qual ainda terei uma cadeira (Rá). Devaneios á parte, meio totalmente à contragosto, escolhi o menor entre todos os livros de Machado que estavam na prateleira. Era um conto, o que explica o fato de ser de tamanho menor: O alienista.
Acho que se li dez páginas foi muita coisa. Destestei! Era chato, linguagem complicada, ninguém amava ninguém, ninguém morria de tuberculose e pior, todos eram loucos e eu nunca entendia o motivo. Só me lembro que o hospício era numa imensa casa verde, e só me recordo disso porque nessa época, a cor verde me remetia a outras coisas de meu interesse. valha-me Deus!
Tomei um trauma agudo pela leitura machadiana. Troquei esse "conto dos insanos" pelas 20 peças mais famosas de Shakespeare (pelo menos haveria amor e tragédia), mas aquilo tudo era muito igual: ou você ri, ou você chora, ou ri e chora (comédia, tragédia e tragi-comédia), ninguém ali foge ás regras, ninguém se rebela em pensamentos, e eu já sentia necessidade de algo mais provocante, que me instigasse mais. Sempre me atrairam aqueles narradores que se aprofundam no próprio raciocínio, que filosofam sobre os acontecimentos, meus preferidos são os narradores onisciente-intrusos heterodiegéticos (na época eu não sabia o que era isso, mas identificava pelo estilo), e como isso não acontece no gênero dramático, o jeito era partir pro épico. Então, um ano depois, resolvi dar créditos ao Memórias Póstumas de Brás Cubas, que vinha em uma linda edição juntamente com Dom Casmurro.
A minha querida professora-mentora tinha parado de dar aulas lá na escola, eu estava revoltada pois o substituto era péssimo (era péssimo de fato, mas eu era revoltada sempre). E como uma saudosa homenagem a ela, resolvi ler as obras do Realismo que ela tanto me recomendara. Já na introdução do livro, senti um fascínio absurdo pelo autor quando li: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes de meu cadáver, dedico como saudosa lembrança essas memórias póstumas", ovulei! Me lembrei de tudo que a professora tinha dito, da ironia, que em Machado chega a ser mefistofélica, do defunto autor que poderia falar mal de todos e de si mesmo sem se preocupar com o que pensariam (é bom ou não é?) então, sempre ficava na expectativa de ver quem seria a próxima vítima do despudorado Brás Cubas. Também adoro aquelas partes em que ele pára e conversa com o leitor, quase sempre se refere ás leitoras: "Perdoe-me leitora. Mal ou muito me engano, mas acabo de escrever um capítulo inútil"; hahaha... Acho ímpar!
Enfim, foi amor á segunda vista. Logo que terminei um livro, emendei outro, e me encantei por Dom Casmurro também, com seu neurótico Bentinho e, principalmente pela enigmática Capitú, cuja aparência física nunca consegui desassociar daquela prostituta que a Giovana Antonelli interpretou numa famosa novela Laços de família da Rede Globo que tinha esse nome. Odeio as adaptações da TV porque limitam a imaginação da gente, nesse caso não era adaptação, só usaram o nome da personagem, mas mesmo assim eu me prendi áquela versão de Capitú. (pronto, já parei, tô discusando demais, eu sei.)

Adoro as frases célebres dele como:
"Marcela amou-me durante quinze meses e onze conto de réis, nada menos."
"Minha mãe era uma mulher de muito coração e pouco cérebro."
"A idéia fixa matou o homem."


A que mais me toca, mesmo sem ironia, é a que abre o livro Iaiá Garcia:
"Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões."

Leia quem quiser, mas quero postar aqui o capítulo que na minha opinião, é o mais irônico e engraçado do Memórias Póstumas de Brás Cubas, e se por acaso se interessarem e não tiverem lido o restante, não se preocupem, apesar de isolado, o capítulo têm por si sentido próprio:


A Borboleta Preta:
No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera e na dignidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite; e o gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar escarninho, uma espécie de ironia mefistofélica, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
- Também por que diabo não era ela azul? disse eu comigo.
E esta reflexão, - uma das mais profundas que se tem feito desde a invenção das borboletas, - me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: "Este é provavelmente o inventor das borboletas." A idéia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e ela beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia.
Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas... Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.

(Capítulo 31)

p.s: Nunca mais tive ânimo de retomar a leitura de "O alienista". Quando desanimo de alguma coisa, ninguém cura meu tédio. Oh!

3 comentários:

Alessandra Castro disse...

Ah nada contra machadão, masmeio q me traumatizei por causa da escola, akela coisa de ler p/ fazer prova naum cria laço nenhum com o autor, mas posso dizer assim em off q Dom Casmurro é meu favorito, tirando todas as adaptações e clichê de lado, acho todo o texto bem escrito e passional. =*

...VERONICA disse...

bom..agora achei o caminho dos tijolos dourados...

ngm posta nos textos qd literários e diga de passagem..enormes!..rs

entao..só posto neles ..agora..kk

*odeio amigos virtuais ( blogais , whatever)..

*Amiga! I miss you!

e então...ja pescou peixe??kk

Bjo no cerebro!

Unknown disse...

Não gostooo de Machado..Alias pra mim tanto faz..Ele gosta de mim..?rs..Gosta de pregos?Paga café?Gosta da Glória?Amigaa vai com calmaa..ESTOU ME DESCOBRINDOOO..